sábado, 5 de setembro de 2009

Comédia de Erros Tupiniquim

- Por que seu cabelo tá desse jeito, Daniell?

- Não amola. Tô chegando da delegacia.

- Foi dar parte do cabelereiro que fez isso aí?

- Barbeiro, por favor. Cabelereiro é coisa de mulher. Barbeiro, de homem.

- Foi dar parte do barbeiro que resolveu passar a máquina zero somente do lado esquerdo da sua cabeça, deixando seu cabelo intacto do outro lado?

- Não. O barbeiro, na verdade, estava junto na delegacia. 

- Já sei. Você resolveu sair sem pagar, o que eu considero justo, haja vista esse corte bisonho. Aí, o barbeiro achou ruim, te chamou de caloteiro e toca todo mundo para a delegacia. Se quiser, eu posso testemunhar a seu favor. Eu também não pagaria por essa porcaria aí.

- Não é nada disso. Eu estava cortando o cabelo. Pedi para o barbeiro raspar, porque cansei de esconder a careca e as entradas sob esse topete. E...

- Meio topete.

- Como?

- Agora é um meio topete. O barbeiro raspou a metade de cá, olha.

- Ah, sim. Bom, o fato é que cansei de me enganar e enganar os outros e assumir a carequice. 

- Para ser honesto, você não enganava ninguém. Todo mundo via que você tava ficando careca. Mas nunca ninguém te alertou porque era muito engraçado vê-lo saindo da piscina com um filete de cabelo e você todo pomposo, se achando cabeludo.

- Quer acabar de ouvir a história ou não?

- Ah, tá. Desculpe.

- Então, daí pedi para o barbeiro raspar. Quando ele estava na metade do serviço, com a máquina, faltou luz. Eu não me abalei muito, porque achei que ele pudesse terminar o trabalho com a tesoura e a navalha. Mas o barbeiro ficou bravo com o pessoal da Eletropaulo, que estava mexendo em um poste do outro lado da rua e que, provavelmente, havia sido o responsável pelo corte de energia.

- Aí ele foi tirar satisfação com o povo da Eletropaulo?

- Sim. Mas à distância. Com a tesoura e a navalha nas mãos, posicionadas sobre minha cabeça, começou a gritar para o pessoal da Eletropaulo vários impropérios.

- Que perigo! 

- Também achei, mas não consegui me mexer e fugir do barbeiro bravo. Ele demorou tanto para iniciar o corte com a máquina que minhas pernas dormiram. 

- Se você posicionasse uma caneta BIC no interior do seu tênis, a dormência passaria na hora.

- Que simpatia mais besta. Além do que, eu estava de chinelas.

- Chinelo.

- Que seje, sr. macumbeiro. Posso terminar?

- Que seja. Pode.

- Bom, daí estou eu lá imobilizado...

- Por falta de uma caneta BIC, diga-se.

- E de um tênis também. O pessoal da Eletropaulo não gostou do que o barbeiro gritou para eles e vieram tirar satisfação. 

- Não acho que seja boa coisa tirar satisfação com um barbeiro bravo e, ainda mais, armado de uma tesoura e uma navalha.

- Ambas cegas, conforme percebi da pior forma possível no intervalo entre o pessoal da Eletropaulo entrar na barbearia e o barbeiro parar de xingá-los e tentar terminar meu corte.

- Mama mia! E daí, na confusão, passou a polícia e foi todo mundo para a delegacia?

- Antes fosse. Quando já se passavam uns 10 minutos de bate-boca e eu ali, ainda imóvel...

- Como sua perna dorme, não?

- Rapaz, ela estava até babando e roncando, de tão profundo que estava o sono.

- Já te falei que se você tivesse uma BIC, ela serviria de despertador?

- Meio da confusão, entraram dois sujeitos na barbearia e anunciaram um assalto. Renderam todo mundo: eu, o barbeiro e os dois caboclos da Eletropaulo. 

- Que cousa!

- Vai vendo. Aí eles pegaram as carteiras e os celulares do barbeiro e dos Eletropaulos. Quando chegaram em mim, tivemos um impasse.

- Não me diga que você deu de herói e quis sair na mão com eles?

- Não te digo. Expliquei aos dois simpáticos meliantes que minha carteira, assim como meu celular e tudo mais que eles queriam, estavam em meu bolsos traseiros da calça. E que eu estava com as pernas dormentes.

- Por falta de BIC.

- É. E que, por isso, ia precisar da ajuda deles para pegar tudo, já que não conseguia me mover sozinho.  

- E eles?

- E eles, muito compreensivos para dois sujeitos claramente mal intencionados, resolveram me erguer para que pudessem me assaltar.

- Que sena linda.

- Sim, linda, Sasha

- Sasha?

- Esquece. A cena foi linda. Só que nessa distração dos bandidos, entretidos em me levantar, o barbeiro conseguiu fazer sinal para uma viatura que passava na frente do salão no momento em que o assalto se dava.

- E toca todo mundo para a delegacia?

- Você acha que é fácil assim? Foi mais ou menos isso que aconteceu, mas tivemos mais um probleminha antes disso.

- Troca de tiros?

- Antes fosse. Quando os policiais entraram, o barbeiro apontou para nós e disse "assalto! assaltantes."

- Hummm.

- Aí os policiais olharam para nós três e entenderam na hora que era um roubo a mão armada.

- As armas nas mãos dos bandidos facilitaram a compreensão, acredito eu.

- Sim. Mas na confusão e gritaria, eu acabei sendo confundido com comparsa dos malacos, já que eu estava sendo abraçado pelos bandidos no momento em que a polícia entrou no recinto. 

- E o barbeiro não disse nada?

- Na hora que entrou a polícia, ele esqueceu do assalto e resolveu voltar a bater boca com os Eletropaulos, que não deixaram por menos e gritaram vários impropérios. 

- Que pastelão. 

- Só faltou torta de merengue na cara. 

- Dava para improvisar com creme de barbear. Já vi isso no Chaves.

- Dava mesmo. Mas não improvisaram. Sei que aí a polícia tentou conter também os brigões. E levou todo mundo para a delegacia, em dois grupos distintos. O dos ladrões e o dos brigões.

- Mas você não era brigão nem ladrão.

- Eu sei disso. Você sabe disso. Mas o delegado não sabia disso, nem os policiais. Então, eu já estava sendo autuado como "punk chefe da gangue de assaltantes" quando finalmente consegui convencer o delegado a perguntar para o barbeiro se eu era ladrão.

- E o barbeiro confirmou.

- Confirmou. Mas demorou até o delegado permitir que interrogassem o barbeiro. Os policiais juravam que tinham me visto abraçado com os meliantes. Logo, eu só podia ser da gangue. E por "ser punk", tava na cara que eu era o líder.

- Mas aí pintou o barbeiro e esclareceu, correto?

- Correto. Demorou, mas me liberaram. 

- Quando foi isso tudo?

- Ontem de manhã.

- E você só foi liberado agora?

- Não, não. Me liberaram ontem, por volta das 18 horas mesmo.

- E por que você só chegou em casa agora?

- Minhas pernas. Só acordaram hoje de manhã. Acho que estavam com sono atrasado.

- Não tinha BIC na delegacia?

- Nem perguntei. A polícia brasileira é muito sucateada, sabe?

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Nota do Autor: 

- Quer dizer que o texto acima você começou a escrever em 2005?

- Tive a idéia em 2005. Aí, de ontem para hoje, sonhei com ela e resolvi escrever.

- E por que você cita o Daniell lá no começo?

- Porque, no meu sonho, o Daniell era o personagem principal.




Um comentário:

Anônimo disse...

Estou emocionado, Bucha.

E um pouco preocupado com o caso de ter sido um sonho premonitório.