- Eu sempre fui mau nas aulas de física.
- Você cortava o cabelo das meninas, grudava chiclete na cadeira do professor ou costumava cagar na lancheira?
- Não. Eu tirava notas baixas mesmo. Por quê?
- Então o correto é mal, com éle.
- Como você sabe que eu falei mau com u, se eu estou falando?
- Seu sotaque.
- Eu não tenho sotaque.
- Ok, confesso. Eu tenho um super poder. Em vez de ouvir as pessoas, eu vejo as palavras saindo da boca delas. Leio e entendo.
- Você lê os lábios?
- Não. Eu vejo as palavras voando. É um troço muito louco.
- E quando você bebe ou quando sai sem óculos de casa?
- Quando eu bebo muito, aperto os olhos e enxergo. Quando eu saio sem óculo de casa, não tem problema.
- Por quê? São letrões gigantes, à prova de problemas de visão?
- Não. Porque eu não uso óculos.
- Ah. Mas e se alguém fala pelas suas costas, você não ouve?
- Normalmente, ouço. Ou melhor, leio. Porque a letras aparecem flutuando à minha frente. Como disse, é um troço muito louco.
- E quando você era criança e analfabeta, como fazia?
- Primeiro, me fiz de louco. Depois, de surdo. Por fim, mímicas.
- Deve ter sido difícil para você.
- Nem tanto. A pior parte é desviar das letras. Quando elas avançam na minha direção, tenho que desviar, para não levar um A ou um C na testa. Dói. Já reparou que sempre que tem alguém falando eu fico me mexendo?
- Já, mas pensei que fosse formiga no cu.
- Não, é esse problema aí.
- Rapaz... não sabia que pelas leis da física isso era possível.
- O que só comprova que você é mesmo muito ruim de física.
- Sim. Era isso que ia falar no começo. Que eu sempre fui muito mau nas aulas de física.
- Mal. Fala direito. Isso fere meus olhos.
- Tá. Mau.
- Mal.
- Ai meu Deus, não consigo.
- Usa outra palavra. Usa péssimo.
- Mas não era tão mau assim.
- Tá, mas só pra efeito de desenvolver a conversa.
- Tá. Eu era péçimo em física.
- Argh.
- O quê?
- Você falou péssimo com cedilha.
- Cério?
- Ai meu Deus. Fecha a boca, por favor.
- O que foi agora?
- Sério com c.
- Esse foi de propósito.
- Como assim?
- Era só pra ver se essa história toda era verdadeira.
- E você acha que eu ia inventar algo assim tão estupidamente estranho?
- Nunca se sabo.
- Sabo?
- É. Errei de propósito a grafia.
- Mas trocar e por o não é muito comum. Até se eu tivesse a audição normal, pegaria o erro. Foi um teste?
- Ah, não. É que além de física, sempre fui muito mau em português também. Escrito e falado.