terça-feira, 11 de agosto de 2009

Sérgio Caneta e Morena Leite

- Mas que frio, não?

- Nem vem com isso. Você sabe que eu odeio.

- Eu sei, mas você nunca me explicou direito. Como alguém pode odiar conversa fática?

- Ué. Tem coisa mais estúpida do que entrar no elevador e dizer "que frio, hein?"? Ou, ainda, estar no banco, na fila, e alguém comentar "que fila demorada, não?"?

- Tem sim. Mais estúpido do que isso é gente com nome que combina com a profissão. Me irrita muito esse tipo de coisa. No fim de semana, eu estava vendo um jogo, que nem lembro de quem, e o bandeirinha chamava Eric Bandeira. Pô! E tem também a Morena Leite, que é cozinheira. Leite, cozinha. Ah, não dá.

- Isso não me irrita tanto. O que me irrita mesmo é conversa fática.

- Ter nome que combine com a profissão é ridículo. É como se eu chamasse Sérgio Caneta, só porque escrevo. Não dá.

- O que mais me irrita na conversa fática é a obviedade da coisa. Se as pessoas ainda fossem criativas para conversar coisas bestas, daí sim seria melhor.

- Desenvolva.

- Por exemplo: seria muito mais interessante se neguinho, em vez de falar "que frio, hein?", dissesse "tá tão frio que hoje de manhã vi um boneco de neve com hipotermia". 

- É, acho que concordo. Por isso que eu sempre uso a expressão "tá um frio de matar mendigo ao relento" em vez de dizer "que frio!".

- Essa expressão não é uma expressão. Você acabou de inventar.

- Eu sei. Mas se fosse uma expressão, seria legal.

- Seria politicamente incorreta. Acho que não ia pegar. E, se pegasse, o Serra mandava prender, arrebentar e apagar o cigarro do indivíduo que a proferisse em público, em particular e em mesas sob toldos, mesmo que na calçada.

- "Que calor" poderia ser substituída por "Malandro, tô com o fiofó em chamas". 

- Você quase pegou o espírito da coisa. A idéia não é padronizar conversas fáticas, e sim ser um pouco mais criativo. Em vez de dizer, no banco, "que fila, não?" ou reclamar da demora nos caixas, dizer "se eu fosse dono do banco, os caixas teriam de trabalhar de biquini com estampas dos Estados Unidos". 

- Se eu fosse dono do Bradesco, contrataria somente caixas com três polegares em cada mão.

- Isso. Agora você entendeu.

- Não, não. Eu contrataria mesmo. Acho que isso iria agilizar as filas. Eu sempre pensei isso, mas nunca tive coragem de comentar com ninguém. Achei que iria ser mal interpretado.

- Olha, eu recomendo que, daqui para a frente, cada vez que você estiver na fila do banco comente isso.

- Se eu falar mais de uma vez não vira conversa fática comum que você tanto odeia?

- Duvido muito. Caixas com três polegares não são motivo de conversa fática. São de insanidade mesmo. Tá liberado, Sérgio Caneta.

- Argh. Odeio esse apelido.

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