terça-feira, 19 de maio de 2009

Clipes e Bocas

- Como é que foi esse negócio da mendiga mesmo?

- É uma história meio longa. Quer ouvir mesmo?

- Conta aí. Já deu seis horas, é meu rodízio, não posso ir embora e não tô fazendo nada mesmo.

-Então, esse meu amigo tem uma banda. Aí eles resolveram gravar um clipe. Precisavam de uma garota bonitinha, mas não muito, para encener o clipe.

- Como é que funciona isso?

- Isso o que?

- Bonitinha mas não muito. Se aparecesse uma bem bonita, muito linda mesmo, tipo a Amélia Vega, eles não aceitariam?

- Parece que não. Queriam alguém com uma beleza comum. Bonita, pero non troppo, manja? Não podia ser gostosona também. Juliana Paes, por exemplo, estaria vetada. 

- Quem não estaria? A Catifunda valia?

- Não avacalha.

- Não, não, só quero entender. E eu nutro sentimentos pela Catifunda. Ela parecia minha professora de química do colégio.

- E você era apaixonado pela velha?

- Não, não. Mas eu gostava muito do nome dela: Joana Fume Carlton. Bonito, né?

- Meio politicamente incorreto.

- Passei a admirá-la quando fiquei sabendo o nome completo. 

- Tá, mas como funciona esse negócio de beleza normal?

- Então, não poderia ser uma Juliana Paes, uma Amélia Vega ou uma Catifunda. Teria que ser alguém de uma linhagem do tipo a Fernanda Rodrigues ou a Maísa, do SBT, daqui uns anos. Nem feia, nem bonita, nem gorda, nem magra, meio cansada, mas não muito.

- A Maísa vai ser assim? Acho que ela tá mais para a Susan Boyle.

- Tudo indica que ela vai ter uma beleza normal, nem lá, nem cá.

- Tudo o que?

- Os astros.

- Que astros, meu Deus? 

- Quer ouvir a história ou não?

- Conta, pô.

- Então, aí eles descolaram uma atriz que topou fazer o clipe de graça, ou quase de graça. Ela era do jeito que eles queriam e ela tinha uma beleza bem comum. 

- Correto.

- Aí a única coisa que eles tinham que fazer era pagar a passagem e a estadia. Além dos traslados, como aeroporto e tudo mais.

- É um preço baixo a se pagar por alguém com uma beleza tão enigmática, eu diria.

- Imagina a Fernanda Rodrigues e pára de azucrinar.

- Esse acento no parar caiu com a nova regra.

- Só em 2012.

- Bom, então não se preocupa. Em 2012, o mundo acaba. Até minha avó sabe disso.

- Deus do Céu, quanto palpite.

- É que não tenho nada para fazer. E tenho que enrolar até às 20 horas, por causa do rodízio.

- Mas eu, não. Posso terminar?

- Fique à vontade. 

- Pois então, daí acharam essa atriz. Ela viria do Rio. E alguém teria de buscá-la no aeroporto. Mas como foi o pessoal da banda que bancou a passagem, ela chegaria de madrugada, já que é o horário dos vôos mais baratos. Viria de sexta para sábado.

- Ela parece mesmo a Fernanda Rodrigues?

- Não sei, não a vi. O fato é que aí esse meu amigo ficou responsável por buscá-la no aeroporto. Só que como ela chegava de madrugada, justamente em um final de semana, ele resolveu beber umas coisas, enquanto esperava dar a hora de ir buscá-la. Daí bebeu, bebeu, bebeu.

- E perdeu a hora?

- Pelo contrário.

- Achou a hora?

- Chegou meio bêbado no aeroporto e quando viu a garota, desencanou de beleza normal. Para os olhos dele, era uma deusa. E mais: uma deusa dando mole. Tentou agarrar e o diabo. Cada vez que saía um som do alto-falante anunciando vôo, ele entendia que era alguma música de micareta. 

- E a atriz?

- Horrorizada, pegou o primeiro avião de volta para o Rio.

- E ele? 

- Ainda tentou graça com umas três ou quatro garotas no aeroporto e se deu mal. Daí não entrou em pânico, porque não deu tempo de ficar sóbrio. Ainda bêbado, saiu do aeroporto direto para a Augusta. Foi procurar alguma prostituta com uma beleza normal que pudesse estrelar o clipe sem cobrar muito.

- E conseguiu?

- Nada. Acabou de descolou uma mendiga mesmo. Debaixo da sujeira, ele não sabia se ela tinha uma beleza normal ou não. Meteu ela embaixo de um chuveiro e rapidamente foi para o lugar do clipe, que ia ser gravado às 5 da manhã. Chegou com a moça lá, ainda meio bêbado, todo pimpão.

- E essa mendiga encenou o clipe? O pessoal da banda não achou estranho ele aparecer com outra moça que não era aquela com quem eles haviam combinado?

- Sim, acharam. Mas não tinha muito o que fazer. Ou usavam a mendiga ou colocavam uma peruca loira nesse meu amigo e filmavam ele como garota no clipe. 

- Deixa ver se eu entendi: eles aceitaram uma mendiga, mas não aceitariam a Juliana Paes. É isso?

- Pelas circunstâncias, tiveram que aceitar. 

- E o clipe ficou bom?

- Então, a gravação seria feita em dois dias. Só que no segundo dia, a equipe atrasou para chegar. Aí a tal mendiga deu um chilique, falou que não estava sendo respeitada e o diabo e se recusou a encenar. E não teve Cristo que fizesse a mulher filmar. No auge da discussão, ela pegou seu saco de tralha e foi embora. Se mandou sem olhar para trás e sempre resmungando.

- Caceta! E o clipe, como ficou?

- Desistiram. Resolveram filmar eles tocando em um show e botar no YouTube. Acharam mais fácil.

- Que final de história mais triste.  

- Se para você é triste, você não imagina para o meu amigo.

- Por que?

- Antes de decidirem pelo clipe do show, deram uma peruca loira para ele e o fizeram encenar umas partes do clipe, para ver se ficava bacana.

- E não ficou?

- Nada. Parece que ele era um travesti muito feio. 

- E eles queriam um travesti com uma beleza comum, nem lá nem cá. Tipo a Fernanrda Rodrigues de bigode. Confere?

- Exatamente. 

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