terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Camisa do Flamengo, dias 5,6 e 7

- Finalmente apareceu sem a camisa do Flamengo, hein. Aguentou uma semana certinho, parabéns.

- Obrigado.

- Aliás, eu, se fosse você, ainda a usaria mais um dia. Só de farra.

- Pensei nisso. Mas a Dalva não deixou. 

- Quem é Dalva?

- A mulher que limpa minha casa e lava minhas roupas faz uns 10 anos. No meio da semana passada, depois de me ver sair uns 3 dias com a camisa do Flamengo, ela me ameaçou. Disse que se me visse saindo de casa mais um dia com aquela camisa, ia arrancar à força.

- E essa Dalva tem força para isso?

- Olha, o braço dela dá minha coxa esquerda. Eu já a vi fazendo faxina. Levanta um sofá inteiro com o braço que é o dobro da minha coxa.

- Você disse que era do tamanho, não o dobro.

- Um deles é do tamanho. O outro, o dobro. Ela tem dois, sabe?

- Sei.

- Além do que, uma vez ela deu um cacete no marido que havia acabado de sair da cadeia. Depois de resistir um pouco, achei por bem tirar a camisa antes que eu apanhasse.

- Ela desceu a lenha em um presidiário?

- Ex-presidiário. Mas que antes de tudo era marido dela e se ela não tem direito em bater no próprio marido, quem teria?

- É. Taí um ponto. 

- Então, daí eu sei que ele ficou preso por umas barbaridades que fez. Foi solto e a primeira coisa que fez foi ir para casa. A Dalva deu tanta frigideirada nele que a primeira noite fora da cadeia ele passou na UTI.

- Então fez bem deixar a camisa em casa. Mas como você passou por ela nesses quatro dias restantes?

- Depois do terceiro dia, quando ela me deu esse choque de gestão, eu passei a planejar a fuga direitinho. Quando ela estava distraída lavando roupa ou no banheiro, eu passava correndo pela sala, disparava portão a fora e só parava na esquina.

- O que fazia você suar mais na camisa, claro.

- Sim. Mas é melhor suar do que sangrar nela. O que, aliás, acabou acontecendo em determinado momento do final de semana.

- Ah, é? Ontem a camisa estava nojenta, mas eu estava evitando falar com você porque estava prendendo a respiração. O que aconteceu sexta, sábado e domingo?

- Como te falei, me meti no churrasco da firrrrrma. Depois tentei emendar um show na própria sexta. Não consegui chegar ao show, mas sim ao Carrefour, onde quase acabei com o estoque de cerveja. De lá, casa. De casa, sábado, confraternização de almoço.

- É muita confraternização, não?

- Sim. O pior é que nessa hora, minha calça, que eu só havia usado no dia anterior, estava mais suja que a camisa do Flamengo. Bom, dessa confraternização, outro churrasco. Daí a gente toma um negócio aqui, esbarra na churrasqueira ali, resolve comer carne crua sangrando, e quando vê, a vaca foi para o brejo.

- Isso quer dizer exatamente o quê?

- Que quando acordei no domingo, achei que houvesse um animal morto na minha cama. E errei por pouco: tinha um animal, mas vivo. De dentro da camisa do Flamengo, jogada no chão, saiu um pombo assim que a peguei para vestir. 

- Credo.

- Daí não tive alternativa a não ser vesti-la e sair pela casa à procura do meu celular, da minha carteira e da minha dignidade.

- Sei.

- Achei quase tudo. A dignidade faltou. Deve ter ficado em algum lugar entre sexta-feira, o Brooklin e minha casa. Me movi o mínimo possível no domingo, porque eu estava passando mal e a camisa, cheirando mal. Até que lembrei o lance de tomar banho com a camisa e aproveitar para lavá-la.

- Pelo que vi ontem, não deu bem certo.

- Deu mais ou menos. No domingo à noite, lavei muito bem. Tirei para dormir e, na segunda, ela estava até ok. O problema foi na segunda de manhã.

- O que rolou?

- Bom, acordei e fiquei à espreita da Dalva. Quando achei que ela tivesse entrado no banheiro, corri para o portão. Só que eu calculei mal e ela estava na cozinha. 

- Mamãe!

- Quando eu passei pela porta da cozinha, ela me viu. Não falou nada. Pegou uma frigideira embaixo da pia e se pôs em meu encalço. 

- Compreendo.

- Corri para salvar minha vida. Já estava cagando e andando para a aposta. Então, tirei a camisa, joguei para trás e continuei correndo. Quando virei, vi que a Dalva não estava mais atrás de mim.

- Não?

- Não. Ela parou na altura em que a camisa estava jogada na rua e sambava sobre ela. 

- Que estranho. Ela não queria lavar? E estava sujando mais?

- Quem sou eu para perguntar. Sei que fiquei da esquina vendo tudo. Ela sambou bem em cima daquele trapo rubro-negro. Depois, deu umas figideiradas no pano e voltou para casa. Eu não queria vir trabalhar sem camisa e também não tinha coragem de entrar em casa e pegar outra roupa. Só me restou vir com a camisa pelo sétimo dia. 

- E mesmo assim, hoje, você queria vir com ela?

- Isso. Achei que, de farra, seria uma boa. Mas a Dalva me pegou antes de eu passar pela cozinha. Como eu estava com essa outra camisa por baixo, entreguei a do Flamengo para a Dalva e vim trabalhar.

- Mas, peraí, agora que estou reparando, essa camisa está meio resgada também.

- É que eu não quis entregar a do Flamengo sem luta. Daí sobrou até para essa coitada aqui.

Um comentário:

Li Lee disse...

Sensacional! Muito engraçado msm.