quarta-feira, 24 de março de 2010

Injustiça! Injustiça!

- Por que você tá todo suado?

- Andei mais de uma hora e meia debaixo desse sol infernal.

- Ué, mas você não levava 40 minutos para chegar aqui?

- Levo, ainda. Mas hoje, no caminho, eu estava vindo para cá , numa boa. Aí veio uma loira e me deu uma foda dessas.

- Como é? Você conheceu uma loira no caminho e acabou comendo ela?

- Pelo contrário.

- Ela te comeu?

- Ai, ai. Não, não. Foi assim: virei uma esquina e logo à minha frente, uma loira de saia caminhava. De costas, era uma beleza. Aí, apressei o passo para ver se Deus era justo e havia dado uma frente tão bela quanto a retaguarda.

- Sei.

- Aí, você sabe, eu ando devagar. E tive que apressar o passo para ultrapassá-la, virar disfarçadamente para trás e ver se ela era um caso de justiça ou injustiça.

- Falando nisso, o que diabos fazem esses desocupados na frente do julgamento do Caso Nardoni?

- Esses que ficam gritando e ostentando faixas com os dizeres "justiça! justiça!"? Acho que nada mesmo. São desocupados.

- Me deu vontade de pintar lá na frente com uma placa dizendo "injustiça! injustiça!". Queria ver o que esse povo ia fazer. Pena que não sou tão desocupado assim.

- Acho que iam te arrastar para um prédio e te jogar de alguma janela. Mesmo porque esse povo não tem lógica. Eles pedem justiça, mas se absolverem os Nardoni, pelos olhos da justiça, será feita justiça. Mas esse povo vai achar que não. Logo, eles querem punição, não justiça.

- Interessante ponto de vista. Além de desocupados são umas belas bestas, é isso? 

- É isso. 

- Mas então, voltando à questão da justiça divina. Apressei o passo, mas nunca chegava nela. Ultrapassar, então, me parecia um dos 7 trabalhos de Hércules.

- 12 trabalho.

- Tá. Mas daí, quando estava quase chegano na...

- Chegando.

- Que seje. 

- Que seja.

- Tá, tá. Pascoal me deixa termina.

- Pasquale, terminar.

- Posso?

- Pode.

- Bom, quando estava quase a alcançando, percebi que me esforcei tanto em ultrapassá-la que desviei do caminho e não sabia mais onde estava. 

- Se perdeu?

- Sim. Mas daí, quando vi que a vaca tinha ido para o brejo, achei que era tarde demais para me preocupar com isso. Primeiro, veria o rosto dela. Você sabe que odeio injustiça, seja ela divina ou não. Então, a minha ideia era primeiro checar a frente da moça. Depois, me localizar.

- Seria justiça ou injustiça divina do ponto de vista do criacionismo. Se você acreditar na evolução, a injustiça é com os pais dela e com Darwin.

- Sim. Mas eu tinha um plano. Checaria o todo da moça. Conforme fosse, logo depois disso, eu ajoelharia e, fechando os olhos, faria uma prece. Na ocasião, aproveitaria para parabenizar Deus ou cornetá-lo. De quebra, por via das dúvidas, pediria a Ele para amaldiçoar ou parabenizar Darwin. Por fim, para cobrir todas as pontas, pediria à moça o endereço de seus pais e iria lá tocar a campainha e dar os parabéns ou esbofetear ambos.

- Tudo isso por conta do conjunto da obra da moça?

- Sim. Já que tinha ido longe demais, achei que era uma boa fazer o serviço completo.

- E, no final das contas, você a ultrapassou?

- Cheguei a um braço de distância, vi que minhas forças estavam se esvaindo e, aí, apelei.

- Correu?

- Não. A cutuquei. Ela se virou para mim e, para unir o útil ao agradável, puxei assunto perguntando como eu chegaria em uma rua X, já que estava realmente perdido.

- E ela?

- Estava de óculos escuros e uma máscara, provavelmente se protegendo da gripe suína.

- Rapaz, e aí?

- E aí que ela falou meia dúzia de palavras, se virou e foi embora.

- Eu já estava tão cansado que minha vista estava turva. Como ela estava de máscara, não só não consegui ver se era bonita como também não entendi a indicação que ela me deu. Aí fiquei zanzando perdido por quase uma hora até que cheguei aqui.

- Rapaz, que injustiça.

- Pois é. Odeio isso. 

Um comentário:

Victor Ribeiro disse...

Rapaz, é a famosa mulher "Te peguei!". Você olha ela de costas, aquele cabelo maravilhoso, aquelas formas generosas... Na hora que ela vira de frente: "Te peguei!" como numa pegadinha... Já aconteceu muito comigo.