segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O Sofá Mais Confortável do Mundo

- Ontem, mais ou menos umas cinco e pouco, me distrai do jogo e resolvi ler a Época.

- Sei.

- Deitei no sofá e comecei a folheá-la. Estava bem confortável a posição. Acho que em todos esses anos que tenho o sofá, nunca tinha achado uma posição tão confortável.

- Compreendo.

- Aí a luz natural do dia começou a sumir. Anoitecia.

- Você vai chegar a algum ponto interessante nessa história ou só está querendo me matar de tédio essa hora do dia?

- Se eu quisesse te matar de tédio, estaria te contando minhas férias, aos nove anos, quando fiquei na casa de uma tia meio surda e cega por 20 dias. 12 deles, preso dentro do armário.

- Nossa! E o que você comia?

- Migalhas, essas coisas.

- E como você saiu?

- Certo dia, minha tia resolveu abrir a porta e me deixou sair.

- Que história, hein!? Tá me parecendo mais interessante que essa bobajada aí sobre deixar no sofá ao anoitecer.

- Mas alto lá, não cheguei no clímax da história.

- Ok. Prossiga.

- Bom, aí eu lia a Época e anoitecia.

- Bocejo.

- Só que quando anoiteceu de vez, não tinha luz suficiente para eu continuar a leitura. Precisava me levantar para acender a luz.

- Sei.

- Só que eu estava muito confortável. Não queria desperdiçar a posição. Aí fiquei numa dúvida cruel sobre o que fazer: terminar de ler a reportagem ou continuar no escuro, numa curiosidade dos diabos, mas muito confortável.

- Curiosidade? Sobre o que era a matéria?

- Reprodução de pessoas com síndrome de Down. Tava achando muito interessante.

- Olha, eu também. Como é que rola o sexo entre eles?

- Então, quando eu estava chegando nessa parte da materia, escureceu de vez. Ainda forcei a vista, mas não deu. Foi aí que tive de escolher: levantar e perder a posição ou morrer pagão.

- E o que fez?

- Bom, eu pensei bem e calculei que se eu jogasse algo no interruptor, conseguiria acender a luz sem me mexer.

- Pensou também em mentalizar fixamente o interruptor para a luz acender sozinha?

- Até cogitei. Mas o ideal seria mentalizar a nuca do interruptor. Coisa que não sei onde fica. 

- É justo.

- Bom, aí eu mirei no botão e taquei o que tava a mão. 

- E o que era?

- A própria Época.

- Acertou a luz, pelo menos?

- Graças a Deus, errei.

- Por que "graças a Deus"?

- Imagina minha agonia se acertasse. Iria ficar ali, com a luz acesa, mas sem ter a revista em mãos para terminar de ler a matéria.

- É. Pensando bem, foi sorte. Mas você foi burro em tacar a revista. Por que não jogou seu sapato ou uma almofada?

- Todos esses itens faziam parte do meu bem estar. Acho que, de alguma forma, eles ajudavam minha posição confortável no sofá. Sei que não pensei direito e arremessei a revista. E pronto, acabou a história.

- História idiota. Queria saber mais sobre as férias na sua tia ou mais sobre o lance das pessoas com Down. Quer falar mais sobre o assunto?

- Sobre a matéria da Época, não sei o que te falar. Eu arremessei a revista mas como estava escuro, nem sei onde caiu. Vou ter que procurar depois. 

- E as suas férias aos nove anos?

- Ah, essas foram tediosas mesmo. Fiquei dentro de um guarta-roupas por 12 dias, entre uma bata branca e umas calças jeans meio fedorentas. Entrei para me esconder da minha tia e, quando vi, estava trancado do lado de dentro. E só. Nada muito interessante.

- Por que se esconder dela?

- Já te falei que ela era meio surda, meio cega e que tinha uma mão de gancho e todos os dentes eram de ouro?

- Não. Mas isso aí já explica bem porque você se escondeu. 

- Pois é. Ela só me achou vários dias depois. Graças ao bom Deus.! E nem foi tão ruim, embora tedioso. No terceiro dia, achei uma posição muito boa no armário. Foram os 9 dias mais tediosos e confortáveis da minha vida. 

- Um misto de prazer e dor?

- Isso. Quase sexo, mas sem a parte em que todo mundo se suja e sai mancando.

- Como?

- Esquece. É que esse lance de sexo, prazer e dor lembrou minhas férias ao 13 anos, mas também foram bem tediosas.

Nenhum comentário: