- Tem um bife aí?
- Por que diabos você quer um... argh! O que aconteceu com seu rosto?
- Por isso quero um bife, gelo ou algo assim.
- Você apanhou na rua?
- Pode-se dizer que sim.
- Que aconteceu?
- Estava vindo para cá...
- Sei.
- Aí começou a tocar "Police on my back" do Clash.
- Bela música. Dá vontade de correr.
- Foi o que fiz. Estava sobre uma passarela da Anchieta. Comecei a correr e cantar "police on my back, police on my back".
- E caiu lá de cima de cara no chão?
- Só se eu fosse imortal pra cair lá de cima e continuar vivo, só com a cara amassada como sequela.
- É verdade.
- Bom, aí nessa de correr e cantar "police on my back", cruzei com um cidadão, que resolveu correr atrás de mim.
- Por quê? Achou que era pega-pega?
- Nada. Era gringo. Inglês. Achou que eu tava sendo perseguido pela polícia e quis me capturar.
- Capturou?
- Capturou. Me pegou, meteu minha cara no chão e me imobilizou. Aí, chamou a polícia.
- E você foi preso?
- Fui nada. Chegou a polícia, esclarecemos a confusão. Eu servindo de intérprete para ele, inclusive.
- Caramba.
- Pois é. Aí os policiais chegaram, entenderam o mal-entendido e perguntaram se eu queria fazer queixa contra o gringo.
- E você fez?
- Claro que não. O cidadão tava muito bem intencionado. Achei que colocá-lo na cadeia ia fazer um mal para a população, que precisa de gente bem intecionada assim para salvá-la.
- E ele te pegou de jeito, hein? Sua cara tá fodida de todos os lados.
- Ah, mas a maior parte dos hematomas veio do ponto de ônibus.
- Como é?
- Bom, esclarecido tudo, voltei a caminhar. Vinha para cá. Lá pelas tantas, distraído novamente com a música...
- Ouvindo mais Clash?
- Não. Cher. Ela ainda me emociona, sabe?
- Sei.
- Bom, aí estava distraído, passando por um ponto de ônibus, quando um cidadão foi dar sinal para o Circular parar e enfiou o dedo no meu olho.
- Que zica.
- Pois é. Aí, parei e fiquei cego. Porque o olho esquerdo não tava dos melhores, por conta da confusão com o gringo. E o direito foi dedado pelo popular que queria pegar o busão.
- Puta história triste, meu.
- Pois é. Aí parei para esperar a visão voltar. Nisso, a população queria muito pegar o Circular e avançou. Eu estava entre a porta e essa horda. Resultado, fui, cego, espremido, espancado, socado, humilhado.
- E como chegou aqui? Além de dolorido e mancando, que é o que se percebe de longe.
- Bom, tentei com todas as minhas forças resistir, mas não teve jeito. Me socaram para dentro ônibus. Por sorte, era o Circular. Ele me deixou exatamente onde o peguei. Aí segui meu caminho e cheguei aqui.
- Por sorte?
- Podia ser pior. Podia ser o Penha-Lapa. Aí, a essa hora, eu estaria passando em Quixeramobim e ainda não teria chegado.
- O Penha-Lapa passa em Quixeramobim?
- Passa. Passa em todos os lugares do mundo, exceção à Pirituba, que é perigoso demais.
Um comentário:
Pirituba ja foi mais perigoso. Depois que eu sai de lá, deu uma amenizada. Mas eu ainda volto...
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