sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Origem, Bebê de Rosemary e histórias bíblicas

– Eu tenho um tio que toca cavaquinho. Ele não toca lá muito bem... Mas digamos que é melhor que ouvir uma transa de gatos. A questão é: o que ele faz é arte?

– Você já ouviu uma transa de gatos?

– Já. É bem estranho, soa como um bebê chorando desesperadamente. Uma vez eu sonhei com um bebê que foi colocado num rio dentro de uma cesta de vime. Eu o encontrava por causa do choro... Mas eram só uns gatos que estavam transando, e o barulho interferiu no meu sonho. Estranho, não?

– Sim, de fato é muito estranho que você tenha sonhado com um remake da história de Moisés ter sido encontrado boiando no rio Nilo pela filha de um faraó egípcio.

– Eu até achei isso de início também.  Mas aí, durante o mesmo sonho, me disseram que o bebê tinha morrido e eu passei a dormir calmamente. Só que logo em seguida eu ouvi o choro de novo e descobri que estavam usando a criança em um ritual e que ele era filho do diabo. Por isso concluí que a história estava muito mais para O Bebê de Rosemary, que é um belo filme, muito melhor que qualquer filme bíblico.

– O Bebê de Rosemary eu ainda não vi. Mas acho que essa história está mais para outro filme, A Origem. A explicação para A Origem é meio complicada, mas esse seu sonho aí tá um pouco mais fácil de entender. Claramente significa que você queria ser travesti, porque tanto na primeira parte como na segunda você assumiu um Eu feminino, princesa egípcia e depois Rosemary. Mas também pode ser que você esteja dormindo neste momento e tudo agora seja um sonho, então na realidade você pode ser de fato a princesa egípcia. Entendeu?

– Ficou difícil porque não consigo parar de pensar no meu tio tocando cavaquinho. Mas e aí, você acha que o que ele faz é arte ou não?

– Bom, se uma pessoa pinta quadros, acho que é uma forma de arte, mesmo que sejam horríveis borrões que lembrem gatos transando. Se faz esculturas de durepox de homens tocando cavaquinho, também não deixa de ser uma manifestação artística. Então, eu acredito que a música do seu tio é arte, sim.

 – Hmmm. Entendi. Então quer dizer que quando alguém coloca um disco da Madonna pra tocar em casa e sai rodopiando pela sala isso também é arte?

– E por que seria?

– Seguindo a lógica que você apresentou, se o que o Baryshnikov faz é arte, então dançar em casa ouvindo Madonna também é, mesmo que seja algo tão tenebroso que cegue quem olhar. Estaria para a dança moderna assim como o durepox está para Rodin.

– Está aí a prova irrefutável de que dança não é arte. Caso contrário, uma danceteria seria um coletivo de artistas amadores.

– De qualquer forma, você gostaria de ver minha coreografia da Madonna?

– Obrigado. Não quero cegar antes de assistir a O Bebê de Rosemary.