sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Sufflair, pedintes e dois canos fumegantes

- Tenho ouvido muito Mika e Scissor Sisters esses dias. Posso começar a duvidar da minha masculinidade?

- Lembra aquele dia que você veio trabalhar de meia-calça?

- Tava muito frio.

- Mesmo assim. Desde aquele dia, você poderia ter começado a duvidar. 

- Ih, faz dois meses. Agora já foi.

- Faz assim: duvida retroativamente. Aí tá resolvido.

- Boa, farei isso. Falando em dúvida, por que você tá com essa marca marrom na roupa?

- Um mendigo me abraçou hoje. E ele tava com um chocolate na mão. A ironia é que eu mesmo tinha dado o chocolate para ele.

- Como?

- Ele me venceu pela insistência.

- Explique.

- Estava vindo para cá e parei no mercadinho para comprar umas bobagens. Aí, entrei lá e vi que não tinha dinheiro. Por sorte, tem um Bradesco meio perto.

- Que chocolate era?

- O do pedinte? Sufflair. Por quê?

- Você já reparou que nos faróis só vende Sufflair? Como pode ser verdade isso? E é tão barato que só pode ser carga roubada.

- Roubada? E tão roubando caminhão de Sufflair todo dia há mais de 15 anos? Deve ser falsificado.

- Será que é tão fácil falsificar Sufflair assim?

- Minha teoria é que todos são fáceis de falsificar, mas o Sufflair é o preferido porque, como é aerado, vai mais ar que chocolate. E como ar é grátis, sai mais barato para os falsificadores.

- Interessante lógica. Mas, então, aí você foi ao mercadinho...

- Pois é. No caminho para o mercadinho, passei por esse pedinte. Aí, entre o mercadinho e o Bradesco, passei novamente por ele. Depois, entre o Bradesco e o mercadinho, novamente. E nas três vezes ele me abordou, pedindo dinheiro com uma voz baixa.

- Prefiro quem pede dinheiro com voz baixa. Outro dia uma senhora muito educada me abordou, pedindo dinheiro para a condução. "Por favor, o senhor poderia me ceder R$ 2 para que eu pudesse pegar o coletivo até o Jardim Limpão? Perdi minha carteira e não quero ir a pé até o local". Me senti meio que coagido e não dei. Se ela falasse "passa um trocado", eu daria. Prefiro assim.

- Você está me dizendo que prefere um assalto a um pedido? 

- Mais ou menos isso. Prefiro mais ainda se a pessoa não pedir. Já ir pegando o que quer é melhor. Assim o processo todo é mais rápido, já que eu dou mesmo quando pedem. Sempre.

- Quase sempre, né? Afinal, essa senhora bem educada ficou a ver navios.

- Ficou nada. Do jeito que era educada e instruída, a essa hora já até arrumou emprego no Poupatempo. Ou em alguma floricultura. Já reparou como quem trabalha com planta é educado?

- Já, sim. Mas voltando ao mercadinho. O pedinte me pediu dinheiro 3 vezes. Lá dentro, comprei um Sufflair e pensei "se ele pedir novamente, sou obrigado a dar. É muita insistência".

- E você deu quanto?

- Pois, então. Sai do mercado sem um centavo. Gastei todo o dinheiro no Sufflair. Aí, para não dar nada ao pedinte, acabei descolando o Sufflair. Como já tinha começado a comer um, dei aberto mesmo. Ele ficou tão feliz, que me abraçou e, na confusão, me sujou todo com chocolate.

- Você sacou dinheiro e ele foi inteiro em Sufflair? E todos os Sufflaires foram para o pedinte? Quanto você comprou em chocolate?

- Comprei uns 3. Mas acabou o dinheiro. Foi tudo em Sufflair.

- Rapaz, como tá caro Sufflair.

- É. Se eu tivesse comprado no farol, nada disso teria acontecido.

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