- Por que você tá de capacete?
- Ah, ganhei de uma mendiga. Peraí que vou tirar.
- O quê?
- Ganhei de uma mendiga. Peraí que vou tirar?
- Tira o capacete, que não entendo nada do que você tá falando.
- Peraí, vou tirar.
- O quê?
- Pronto.
- Argh. Sua cara tá preta.
- Sério? Acabei de tomar banho.
- É. Parece carvão.
- Preciso ver no espelho.
- Pega esse. Olha.
- De onde você tirou esse espelho tão rápido?
- Não importa. Olha.
- Eita!
- Viu?
- Hummm. Já sei. Deve ter sido a mendiga que me deu esse capacete. A gente acabou de tomar banho junto.
- Eu vou só recapitular, para ver se entendi e se não perdi minha sanidade. Você tomou um banho com uma mendiga, banho esse que te deixou mais sujo, e ela te deu um capacete, para você vir trabalhar?
- Do jeito que você coloca, parece maluquice.
- Existe um jeito de isso não parecer maluquice?
- Olha, eu estava vindo para cá. Sempre passo em uma praça que foi tomada por uns sem-tetos. Quando passo por lá, até afrouxo o passo, porque gosto de me misturar, sabe?
- Sei.
- Bom, aí num dos cantos dessa praça, que dá de frente para a Via Anchieta, tinha uma mulher se banhando, mas tipo aqueles banhos de gato. Ela pegava uma esponja e passava no rosto e coisa assim. Com o sol matutino batendo nela, que estava com um belo vestido esfarrapado e amarelo, e os carros passando em alta velocidade ao fundo, me emocionei.
- E fez o quê? Puxou um papel de pão e escreveu uma poesia?
- Quase. Eu sorri.
- E aí?
- E aí que ela sorriu de volta. E acabou de convidando para seu banho.
- E você aceitou?
- Tenho uma política: nunca recusar tomar banho com uma mulher. Nunca neguei esse tipo de convite.
- Já te aconteceu muito?
- Primeira vez. Mas não quis perder a chance.
- Tá, e aí você se banhou?
- Sim, estilo banho de gato. Ela pegou uma esponja e passou no meu rosto. Depois, fumamos um cigarro. Ela perguntou se tinha sido bom para mim, eu disse que sim e pronto, vim embora.
- E o capacete?
- Ah. Então, quando eu estava saindo, ela me chamou de volta.
- Para?
- Disse que meu cabelo tava todo zuado, por causa do banho. Perguntou se queria que ela secasse ou penteasse.
- E ela não fez uma coisa nem outra?
- Mais ou menos. Pedi para ela fazer tudo o que eu tinha direito: secar e pentear. Aí ela começou a baforar uns restos de fumaça de Hollywood vermelho no meu cabelo.
- Tá.
- Aí quando terminou, disse que infelizmente tava sem pente. Mas tinha um negócio que me deixaria mais bonito. E me deu esse capacete. Legal, né?
- Lindo. Mas olha, ela só sujou sua cara. Se fosse você, iria ali no banheiro e dava uma esfregada.
- Vou manter. Já já volto para casa e vai que no caminho a encontro de novo.
- Você acha que ela ia se ofender se te visse limpo?
- Pelo contrário. Mas se eu me limpar, vai que perco a oportunidade de tomar outro banho com ela.
Um comentário:
excelente
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