quinta-feira, 1 de julho de 2010

Quem foi que roubou a sopeira?

- Passei por uma saia justa dos diabos agora.

- O que rolou?

- Estava quase chegando aqui quando um mendigo me parou na rua.

- O que ele queria?

- Viu que eu estava com essa garrafa de um litro e meio de água mineral e me pediu um gole.

- E você ficou em dúvida em dar água a um homem com sede?

- Claro que não. Dei a água imediatamente. O problema é que só foi aí que percebi que estávamos no meio da rua.

- E?

- E aí o cidadão resolveu beber ali mesmo, no meio da rua, impedindo o tráfego dos carros.

- Começou um buzinaço?

- Começou. E ele estava tão entretido com a água que não sabia se puxava ele para a calçada ou se deixava beber ali mesmo, atrapalhando o tráfego.

- E o que você fez?

- Bom, de saída, achei que ele não fosse demorar muito. Aí resolvi não interromper.

- Ótimo.

- Mas foi só impressão. Porque depois da primeira golada, ele só parou para comentar algo como 'melhor, só se fosse vodka' e depois voltou a beber a água calmamente. Sem se preocupar com o trânsito. 

- Bom, aí acho que já era bom você ter o puxado para a calçada.

- Também. Mas aí considerei que se ele era um sem-teto, então a rua é a casa dele. Que direito eu tinha para tirá-lo de dentro de casa? 

- Como?

- Bom, depois acabei me distraindo com a frase sobre a vodka. Fiquei pensando se ele beberia a vodka com a mesma desenvoltura que bebia a água. Na sequencia, considerei que se eu passasse por ele com uma garrafa de vodka, se ele iria pedir um gole ou ia logo me roubar.

- Pronto. Agora só porque é pobre não pode ser honrado. Eu acho que é provável que ele pedisse. E educadamente.

- É. Eu conclui que sim. Mesmo porque antes de passar por ele, percebi ao longe que ele já havia parado mais dois transeuntes cheio de petições. Para um, pediu cigarros. Para o outro, isqueiro. Em ambos os casos foi prontamente atendido.

- Sempre no meio da rua?

- Sempre. E, pensando bem, acho que depois que ele me devolveu a água e eu vim para cá, ele ficou lá parado, ainda no meio da rua. Acho que ele gosta muito do local. Realmente, deve ser a casa dele. 

- Ainda bem que você não vinha para cá com uma garrafa de vodka. 

- Por quê?

- Ah, se ele virasse meia garrafa de vodka, dificilmente iria conseguir ficar parado ali, guardando caixão no meio da rua e, por conseguinte, atravessando e atrapalhando o trânsito.

- É verdade. Não ia conseguir ficar dentro de sua própria casa, curtindo uma boa bebedeira. Que mundo é esse em que pessoas de bem não conseguem nem beber em paz, que já aparecem carros buzinando e passando pela sua sala?

- Verdade. Um cidadão de bem não pode nem tomar um rabo de galo no seio do seu lar que já aparece um Opala fumaçando tudo e buzinando como se não houvesse amanhã. E nem outras vias públicas para andar. Que inferno. 

- Por isso que eu sempre digo: este mundo está perdido. E não é de hoje. Maldito Henry Ford. 

2 comentários:

João Henrique disse...

Minha avó dizia:«Adeus mundo cada vez pior». Eu acho que não! Hoje o mundo é bem melhor para todos nós do que foi nos anos 30 para nossos pais e avós.

Um abraço.

Gabriela Ribeiro disse...

Acho que adoro diálogos porque adoro falar... sendo assim, hoje li seu blog e agora vou segui-lo ok?