- Para você ver como são as coisas: estava quase chegando aqui e um pedinte veio puxar conversa.
- Puxar conversa ou pedir dinheiro?
- Puxar conversa, pedir dinheiro, essas coisas. Como você sabia que ele veio exatamente pedir dinheiro?
- O termo "pedinte" que você usou me deu a dica.
- Ah, mas ele poderia ter pedido qualquer outra coisa. Meu celular, minha carteira.
- Mas aí não seria pedinte, seria assaltante.
- Não seria assaltante se ele pedisse, eu negasse e ele fosse embora. Daí, seria só pedinte mesmo. Mas para você ter uma idéia, eu achei que ele fosse pedir água. Eu estava com uma garrafa na mão e a gente tava sob um sol danado.
- Mas ele pediu dinheiro, correto?
- Sim. Ele disse "tem as moral de me descolar cinquenta centavos para eu inteirar a fraonfsfdsf?"
- A o que?
- Acho que ele disse fraonfsfdsf mesmo. Mas não tenho certeza.
- E o que é fraonfsfdsf?
- Não sei. E, na dúvida, acabei dando R$ 1.
- Ele não havia pedido R$ 0,50?
- Haqvia. Mas não sei quanto custa uma fraonfsfdsf. Vai que é mais caro do que ele imaginava.
- Pode ser. Fez bem.
- Eu gostei muito do comentário dele, depois que eu dei o dinheiro.
- Ele disse "obrigado, sempre quis ter uma fraonfsfdsf fofa"?
- Não. Ele disse "obrigado. Você também está desempregado?".
- O que tem de estranho nisso?
- Ué? O que leva o cidadão a achar que alguém que parou para dar esmola está desempregado?
- Talvez ele ache que há uma certa cumplicidade entre desempregados. Você, ele, uma boa parte da população mundial.
- Mas eu não estou desempregado.
- Eu sei. Mas olha suas roupas. Olha a barba por fazer, o cabelo desgrenhado. A calça puída, que combina bem com a mochila suja, caindo aos pedaços. Você anda meio que mancando e lentamente. Para mim, parece um desempregado.
- Mas eu ando cantando. Sempre sorrindo. Às vezes até me empolgo com o que estou cantando e dou uma reboladinha.
- E tem coisa melhor do que não trabalhar? É um desempregado perfeito e feliz. Ou um lunático.
- Pode ser.
- Por falar em comentário, lembra que comentei outro dia que meu pai adora futebol, vê todas as partidas possíveis, mas somente faz comentários tipicamente femininos durante os jogos?
- Como elogiar as pernas dos jogadores?
- Não. Nem tanto.
- Então não lembro.
- Bom, mas é isso. Ele faz uns comentários muito estranhos. Ontem, assistia com ele Botafogo-RJ contra a bambizada.
- Sei.
- Aí, lamentei um gol perdido do Botafogo.
- E?
- E ele perguntou "você está torcendo para o Botafogo?"
- Seu pai sabe que você é corintiano?
- Sabe. Aliás, sou corintiano muito por causa dele.
- É. O que você respondeu?
- Disse: "claro pai. Por que eu torceria para o São Paulo?"
- E ele?
- Ele disse: "o São Paulo é de São Paulo. Mas já que você tá torcendo para o Botafogo, vou torcer também".
- É um comentário e uma postura estranha. Mas não é exatamente feminino.
- Não? E se eu te falar que uns 10 minutos depois minha mãe apareceu na sala e perguntou para quem eu estava torcendo?
- Bom, aí ou seu pai fez um comentário feminino ou sua mãe tem um comportamento estranho. Pode ser ambos?
- Pode sim. Logo, se vê que você os conhece há tempos.
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